O diabetes afeta 16,8 milhões de adultos no Brasil, quinto país no mundo com a maior incidência da doença. E a obesidade está entre os principais fatores de risco para o desenvolvimento do diabetes tipo 2, que representa cerca de 90% dos casos de diabetes em todo o mundo. Por isso, a perda de peso com o acompanhamento de profissionais de saúde pode ajudar na prevenção e no controle dessa forma da doença. Para falar sobre a relação entre obesidade e diabetes, o Saúde Não Se Pesa convidou o Dr. Fábio Trujilho, endocrinologista do Centro de Diabetes e Endocrinologia da Bahia (CEDEBA) e vice-presidente da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e Síndrome Metabólica (ABESO).
SNSP - O que é o diabetes tipo 1 e o diabetes tipo 2 e qual dos dois tipos é mais prevalente em pessoas com obesidade?
DR. FÁBIO TRUJILHO - a diferença entre o diabetes mellitus tipo 1 e tipo 2 é que, no tipo 1, existe uma quase ou total ausência de produção de insulina pelo pâncreas. E, geralmente, acontece de uma forma muito rápida e em pessoas mais jovens.
Já no diabetes tipo 2, no início da doença, o pâncreas ainda produz insulina e, geralmente, em uma quantidade até maior do que na maioria das pessoas. No diabetes tipo 2, a insulina passa a ter dificuldade de agir e colocar a glicose para dentro da célula, o que chamamos de resistência à insulina. Em uma fase posterior da doença, ocorre a diminuição da produção de insulina pelo pâncreas.
SNSP – A obesidade pode contribuir para que a resistência à insulina aconteça e levar ao desenvolvimento do diabetes do tipo 2?
DR. FÁBIO TRUJILHO - a obesidade é um fator de risco importante e, geralmente, leva à resistência insulínica, o que vai contribuir para o aparecimento do diabetes. Como eu disse na resposta anterior, a resistência à insulina é uma dificuldade que esse hormônio tem de exercer a sua função, que é, principalmente, colocar a glicose para dentro da célula. Com isso, a pessoa vai precisar produzir uma quantidade muito maior de insulina para que consiga manter a glicose no sangue em valores normais.
SNSP - Como a obesidade pode levar ao desenvolvimento do diabetes tipos 2? Isso pode ser revertido caso a pessoa perca peso?
DR. FÁBIO TRUJILHO - a obesidade pode levar ao aparecimento do diabetes porque leva a uma dificuldade maior da ação de insulina, o que chamamos de resistência insulínica, que é um fator de risco para o desenvolvimento do diabetes.
Além disso, o excesso de tecido gorduroso vai infiltrar no pâncreas, dificultando que as células beta – que produzem insulina no pâncreas – trabalhem direito e produzam insulina adequadamente, o que também contribui para o aparecimento do diabetes.
Um outro fator é que, muitas vezes, o excesso de gordura produz substâncias inflamatórias que vão contribuir ainda mais para o agravamento da resistência à insulina e, também, para a dificuldade de ação das células beta.
Evitamos usar o termo cura, que se refere a algo mais duradouro, para o resto da vida, pois o mecanismo da condição está instalado. Mas essa perda em torno de 15% do peso pode levar, sim, esse indivíduo que desenvolveu diabetes por causa da obesidade a deixar de ter essa patologia, seja temporariamente ou não.
SNSP - Por outro lado, a resistência à insulina e/ou o fato de o pâncreas não produzir insulina suficiente pode levar ao desenvolvimento de obesidade?
DR. FÁBIO TRUJILHO - Geralmente, o que ocorre é o contrário, a obesidade leva à resistência à insulina e, posteriormente, à diminuição da produção da insulina. Mas existem outros mecanismos, além da obesidade, associados à resistência à insulina. Por exemplo, pessoas sem excesso de peso mas com a síndrome dos ovários policísticos apresentam resistência à insulina, não pela obesidade, mas por mecanismos relacionados à fisiopatologia da própria doença. E isso é sim um fator de risco, essa pessoa precisa estar atenta para não ganhar peso e consequentemente comprometer a função pancreática.
SNSP - Como a junção de diabetes e obesidade eleva o risco à saúde do paciente?
DR. FÁBIO TRUJILHO - a obesidade pode estar associada à elevação dos riscos de doença nesses pacientes por várias maneiras, algumas mais e outras menos conhecidas. Entre elas, estão as alterações mecânicas em que o próprio excesso de peso pode levar essa pessoa a ter mais dores no joelho, artroses, dores na coluna e dores musculares, o que vai impactar bastante a qualidade de vida.
Além disso, esse tecido gorduroso aumenta a resistência insulínica e a produção de substâncias inflamatórias, que são fatores que contribuem, por exemplo, para o aparecimento do diabetes, da gordura no fígado e de doenças cardiovasculares, como infarto agudo do miocárdio (IAM) e Acidente Vascular Cerebral (AVC). Alguns tipos de câncer também estão relacionados a esse estado inflamatório causado pela obesidade.
Um exemplo mais recente é a Covid-19, que mostrou para a nossa sociedade o quanto a obesidade precisa ser vista com mais seriedade, uma vez que pessoas que estão acima do peso têm um risco maior de complicações pelo novo coronavírus.
O excesso de peso também está associado a problemas de saúde mental, como depressão e baixa autoestima.
SNSP - Quais são as possíveis doenças que a pessoa com diabetes e obesidade pode desenvolver?
DR. FÁBIO TRUJILHO - são várias as possíveis doenças que podem estar associadas ao diabetes e à obesidade. Há uma associação muito direta com as doenças cardiovasculares, com aumento do risco do infarto agudo do miocárdio, acidente vascular cerebral e insuficiência cardíaca. Já se fala também em maior risco de problemas renais, gordura no fígado e alguns tipos de câncer. Mas, quando falamos em obesidade e diabetes juntos, o nosso grande medo é a doença cardiovascular.
Além disso, a ocorrência de obesidade e diabetes diminui a expectativa de vida, ou seja, faz com que as pessoas vivam menos. Então, temos que estar muito atentos a isso e à quantidade de patologias associadas. Eu citei algumas, mas são inúmeras, alguns estudos mostram até mais de 200 doenças relacionadas à obesidade.
SNSP - Perder peso tem um impacto positivo na saúde de quem tem obesidade e diabetes e já desenvolveu alguma doença associada?
DR. FÁBIO TRUJILHO - perder peso quase sempre contribui para a melhora de outras doenças associadas à obesidade e ao diabetes, inclusive as comorbidades cardiovasculares. A perda de peso e o próprio controle do diabetes melhoram, por exemplo, hipertensão, doença hepática gordurosa não alcoólica (NASH), ovário policístico, excesso de colesterol e incontinência urinária.
SNSP - A má alimentação e o sedentarismo são fatores de risco para o diabetes tipo 2 ou estão associados apenas ao ganho de peso?
DR. FÁBIO TRUJILHO - o sedentarismo e a alimentação inadequada são fatores de risco para o diabetes tipo 2, independente da obesidade. No entanto, é importante lembrar que a obesidade é um fator de risco para o diabetes, assim como a história familiar de diabetes, a hipertensão e a dislipidemia, ou seja, são vários os fatores de risco para o diabetes tipo 2.
SNSP - O diabetes causa alguma dificuldade em relação ao tratamento da obesidade? Como deve ser o tratamento para obesidade da pessoa que tem diabetes?
DR. FÁBIO TRUJILHO - a pessoa com diabetes geralmente tem uma dificuldade um pouco maior de perda de peso do que uma pessoa com obesidade e sem diabetes. Além disso, muitas vezes se faz necessário o uso de medicamentos para o diabetes, como a insulina, que podem dificultar a perda de peso. Então, a escolha de uma medicação que possa levar a um controle efetivo do diabetes e, ao mesmo tempo, levar à perda de peso, nos dá boas perspectivas em relação a esse aspecto.
O exercício físico é fundamental no tratamento da pessoa com obesidade e diabetes associadas. Em primeiro lugar, porque ele melhora a resistência insulínica, ou seja, facilita a ação da insulina, melhorando, com isso, o controle glicêmico. Além disso, esse gasto energético contribui para a perda de peso, apesar de muitos estudos mostrarem que o exercício está muito mais relacionado com a manutenção do peso perdido do que propriamente com a perda de peso. Mas ele é essencial e deve ser prescrito para toda pessoa com diabetes e obesidade, adaptando para as suas condições individuais.
SNSP – O senhor gostaria de fazer alguma consideração final?
DR. FÁBIO TRUJILHO - eu queria chamar atenção para dois pontos. O primeiro ponto é que, mais importante do que a quantidade de gordura corporal é onde ela está localizada. Tem gorduras que são mais inflamatórias, mais maléficas do que outras. Aquela que é acumulada na região da barriga, no fígado, leva a complicações maiores do que a gordura que não está acumulada nesses locais.
Outro ponto que eu acho que temos que levar para reflexão é que, na maioria das vezes, é a obesidade que gera a maior parte dessas patologias, como o próprio diabetes, a hipertensão, a apneia do sono, a artrose de joelho, a gordura no fígado. Tratar a obesidade é abrir uma janela de oportunidade para que a pessoa não tenha complicações maiores.
É importante frisar que, mesmo que essa pessoa já tenha outras comorbidades instaladas, o tratamento da obesidade vai ser benéfico e vai ter um impacto positivo no controle dessas outras patologias.
BR22OB00198 – Fev./2023