Bolacha recheada, macarrão instantâneo, refrigerante e salgadinho: você sabe o que esses alimentos têm em comum? Todos são ultraprocessados, ou seja, produtos industrializados que contêm substâncias químicas em sua formulação, como corantes, conservantes, aromatizantes e outros ingredientes1.
O consumo desse tipo de alimento no Brasil tem aumentado nos últimos anos. Segundo pesquisa da Universidade de São Paulo (USP), entre 2008 e 2017, houve um crescimento de 5,5%2.
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O percentual não parece tão expressivo, mas os ultraprocessados já representam cerca de 20% das calorias consumidas pela população brasileira, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)3. Para ilustrar, considerando um consumo médio de 2.000 calorias diárias, é como se uma pessoa comesse um cheeseburguer e tomasse um copo de refrigerante (cerca de 400 calorias) todos os dias. |
Por que os alimentos ultraprocessados fazem mal à saúde?
Mas por que esses alimentos, que são tão consumidos, fazem mal à saúde? Isso acontece porque eles são nutricionalmente desbalanceados. O seu processo de fabricação envolve diversas técnicas de processamento e um excesso de ingredientes, como sal, açúcar, gorduras e substâncias de uso exclusivamente industrial1.
Muitas dessas substâncias processadas em laboratório (que incluem partes de outros alimentos, como proteínas de soja e do leite, e fontes orgânicas, como petróleo e carvão) atuam como aditivos, ou seja, são ingredientes adicionados sem o propósito de nutrir e cuja função é estender a validade desses alimentos ou adicionar cor, sabor, aroma e textura para torná-los gostosos e atraentes1.
Os ultraprocessados são pobres em fibras, vitaminas e minerais, além de muito calóricos. Por serem hiperpalatáveis, ou seja, bastante saborosos, e fáceis de serem consumidos, pois já estão prontos ou possuem uma forma prática de preparação, tendem a ser consumidos em excesso e podem levar ao sobrepeso e à obesidade1.
Outro fator que relaciona o consumo desses alimentos ao excesso de peso é que eles possuem um baixo potencial de saciedade e podem comprometer os mecanismos do nosso corpo que indicam quando estamos com fome e quando já estamos satisfeitos. A sinalização de saciedade após a ingestão dos ultraprocessados não ocorre ou ocorre tardiamente1.
Como identificar os alimentos ultraprocessados?
Uma forma simples de identificar se um alimento é ultraprocessado é olhar a lista de ingredientes. Um número elevado de itens (geralmente cinco ou mais) e, sobretudo, a presença de ingredientes com nomes pouco familiares indicam que o produto pertence à categoria de alimentos ultraprocessados. Alguns exemplos desses ingredientes são: gordura vegetal hidrogenada, xarope de frutose, espessantes, emulsificantes, corantes, aromatizantes e realçadores de sabor1.
Uma medida que tem facilitado a identificação desses produtos é o novo padrão de rotulagem de alimentos e bebidas industrializados, aprovado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que entrou em vigor em outubro de 20224.
As embalagens devem apresentar um selo frontal com um símbolo de lupa, indicando se o alimento possui altos teores de açúcar, gordura e sódio. O objetivo é facilitar a compreensão do consumidor sobre a composição de ingredientes prejudiciais à saúde e auxiliá-lo a fazer escolhas alimentares mais conscientes4.
Alimentos que viciam e causam doenças
Os alimentos ultraprocessados são tão viciantes quanto o cigarro. Essa foi a conclusão de um estudo realizado em 2022 por pesquisadores da Universidade de Michigan e da Virginia Tech, nos Estados Unidos5.
Segundo a pesquisa, esses alimentos atendem a todos os critérios de uma substância viciante como o tabaco: estimulam o consumo compulsivo; aumentam a dopamina (neurotransmissor ligado à sensação de prazer e motivação), melhorando o humor e diminuindo sentimentos negativos; são altamente reforçadores, ou seja, a repetição de seu consumo é um comportamento estimulado; e desencadeiam no organismo desejos intensos para serem consumidos5.
Há vários estudos que associam o consumo de alimentos ultraprocessados a diversas condições crônicas. Segundo uma pesquisa publicada em 2020, pessoas que consomem ultraprocessados com frequência possuem um risco 26% maior de desenvolver obesidade6.
Outra pesquisa, também de 2020, concluiu que o consumo excessivo desses alimentos está associado ao sobrepeso e obesidade (39%), circunferência maior da cintura (39%), níveis baixos de colesterol “bom”, o HDL (102%), e síndrome metabólica (79%)7.
Os ultraprocessados também estão relacionados a uma maior possibilidade de desenvolver câncer, de acordo com um estudo publicado em 2023. Cada aumento de 10% no consumo desses alimentos representou uma elevação de 2% na incidência geral de câncer e um aumento de 19% no risco de câncer de ovário, especificamente8.
Pesquisadores da USP, em parceria com outras instituições, realizaram um levantamento com base em dados de 2019 e estimaram que o Brasil tem 57 mil mortes prematuras (pessoas de 30 a 69 anos) por ano associadas ao consumo de ultraprocessados9. É mais que o total do número de homicídios no país no mesmo período (45,5 mil, segundo o Atlas da Violência)10.
O segredo é o equilíbrio
Os números alarmantes das pesquisas reforçam o quanto é importante melhorarmos a nossa alimentação. Não é que o consumo de alimentos ultraprocessados seja proibido: ele só não deve ser a regra.
De acordo com o Guia Alimentar para a População Brasileira, do Ministério da Saúde, os alimentos in natura ou minimamente processados são a base de uma alimentação nutricionalmente balanceada1. Veja alguns exemplos no quadro abaixo.
A regra de ouro é: não troque a comida “feita na hora” (arroz, feijão, sopas, saladas, refogados de legumes e verduras, macarronada etc.) por produtos que dispensam preparação culinária (sopa de pacote, macarrão instantâneo, molhos industrializados, misturas para bolos, entre outros)1.
Para ajudar no processo de reeducação alimentar, é importante contar com uma equipe multidisciplinar, que tenha, além de médico, psicólogo e educador físico, um nutricionista. Esse profissional irá auxiliar na elaboração de um plano alimentar individualizado, levando em consideração preferências alimentares, aspectos financeiros e estilo de vida, com foco em melhorar a saúde e garantir qualidade de vida11.
Quais os tipos de alimentos?
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Referências: 1. Ministério da Saúde. Guia alimentar para a população brasileira. Disponível em https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/guia_alimentar_populacao_brasileira_2ed.pdf. Acesso em julho de 2023. 2. Louzada MLC, Cruz GL et al. Consumo de alimentos ultraprocessados no Brasil: distribuição e evolução temporal 2008–2018. Rev Saúde Pública. 2023 Mar 15;57:12. 3. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Pesquisa de orçamentos familiares 2017-2018. Análise do consumo alimentar pessoal no Brasil. Disponível em https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101742.pdf . Acesso em julho de 2023. 4. Instrução Normativa-In nº 75, de 8 de outubro de 2020. Estabelece os requisitos técnicos para declaração da rotulagem nutricional nos alimentos embalados. Diário Oficial da União. 9 out 2020. Disponível em https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/instrucao-normativa-in-n-75-de-8-de-outubro-de-2020-282071143. Acesso em julho de 2023. 5. Gearhardt AN, DiFeliceantonio AG. Highly processed foods can be considered addictive substances based on established scientific criteria. Addiction. 2023 Apr;118(4):589-598. 6. Askari M, Heshmati J et al. Ultra-processed food and the risk of overweight and obesity: a systematic review and meta-analysis of observational studies. Int J Obes (Lond). 2020 Oct;44(10):2080-2091. 7. Pagliai G, Dinu M et al. Consumption of ultra-processed foods and health status: a systematic review and meta-analysis. Br J Nutr. 2021 Feb 14;125(3):308-318. 8. Chang Kiara, Gunter MJ et al. Ultra-processed food consumption, cancer risk and cancer mortality: a large-scale prospective analysis within the UK Biobank. eClinicalMedicine 2023 Jan 31;56:101840. 9. Nilson EAF, Ferrari G et al. Premature Deaths Attributable to the Consumption of Ultraprocessed Foods in Brazil. Am J Prev Med 2023;64(1):129-136. 10. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Atlas da violência. Disponível em https://www.ipea.gov.br/atlasviolencia/dados-series/328. Acesso em julho de 2023. 11. Mendes AA, Ieker ASD et al. Multidisciplinary programs for obesity treatment in Brazil: A systematic review. Rev. Nutr. 2016 Nov-Dec; 29(6):867-884.
BR23OB00101 – Setembro/2023